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Artigo: Contabilidade com base no regime de competências deve contribuir para a transparência no setor público

8 de janeiro de 2024

Estados e municípios brasileiros precisam se adequar às novas normas de contabilidade até 2025

Por Ayres Moura*

A transparência e o acesso às informações públicas são alguns dos pilares fundamentais de um governo aberto à participação popular. O que se exige do setor, levando-se em conta as demandas por eficiência na gestão pública, é um padrão de informações que permita aos órgãos públicos e seus stakeholders – cidadãos, investidores, administradores, entre outros – uma visão clara e real da situação econômica e financeira.

Em 2008, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) editou o documento “Orientações Estratégicas para a Contabilidade Aplicada ao Setor Público no Brasil”. Uma de suas principais diretrizes era de estimular a convergência brasileira às International Public Sector Accounting Standards (IPSAS), que são as normas internacionais de contabilidade aplicadas ao setor público.

Em continuidade a esse processo, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) aprovou em setembro de 2015 a Portaria nº 548, que trata da aprovação do Plano de Implantação dos Procedimentos Contábeis Patrimoniais (PIPCP), estabelecendo prazos obrigatórios relativos à implantação na União, Estados e Municípios brasileiros. Tais prazos limites para implementação dos procedimentos contábeis variam desde a implementação imediata até o prazo limite de 2025, a depender do procedimento contábil em questão, bem como do ente público.

Em 2023, a STN atualizou o PIPCP incluindo novas normas contábeis publicadas ou atualizadas desde a emissão da Portaria nº 548: Benefícios Sociais, Instrumentos Financeiros, Arrendamentos, Ativos não Circulantes Mantidos para Venda e Operações Descontinuadas, Ativo Imobilizado (R1), Estrutura Conceitual (R1), Receita e Despesa de Transferência. O prazo para implementação das novas normas varia de 2025 a 2032. Importante ressaltar que a Portaria diz ainda que, caso o ente da Federação não implemente o PIPCP, ficará impedido de receber transferências voluntárias e contratar operações de crédito – com exceção das destinadas ao refinanciamento do principal atualizado da dívida mobiliária.

A convergência às IPSAS é uma revolução na forma como a contabilidade é feita no setor público, visto que ainda há uma forte cultura orçamentária com foco nas entradas e saídas de caixa, em contraste com as IPSAS que incorporam o conceito do regime de competência, havendo o registro integral de bens, direitos e obrigações independente da efetiva entrada ou saída de caixa.

A adoção do regime de competência pelo setor público exigirá que todos os direitos e obrigações sejam registrados. Com foco atual somente nas entradas e saídas de caixa, rodovias, parques, terrenos, bens de infraestrutura e dívidas podem não estar registrados no balanço patrimonial. Como exemplo, o setor público foca essencialmente no quanto irá gastar anualmente, sem considerar que financiamentos obtidos comprometerão diversas gerações futuras, com dívidas que podem se estender por décadas e que simplesmente não estão registradas. Tudo passará a ser mensurado e contabilizado com a convergência às IPSAS.

A contabilidade com base no regime de competência é uma importante ferramenta de apoio ao cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, permitindo, dentre outros, maior visibilidade do endividamento público, bem como deve fornecer informações fidedignas para todo o processo de planejamento e orçamento.

De acordo o International Public Sector Financial Accountability Index – 2021 Status Report, publicado pela International Federation of Accountants (IFAC) e pelo The Chartered Institute of Public Finance & Accountancy (CIPFA), 40% das jurisdições reportaram suas demonstrações financeiras de 2020 de acordo com o regime de competência, comparado com 24% em 2018, sendo que 30% delas ainda reportaram em regime de caixa, comparado como 31% em 2018. Ainda, de acordo com o Index, 50% das jurisdições pretendem reportar de acordo com o regime de competência até 2025.

Destaco ainda que a padronização do sistema de contabilidade vai permitir a comparação entre os entes da Federação. Os cidadãos terão uma importante ferramenta para questionar, por exemplo, os motivos que levam determinados municípios – com habitantes e receita similares – a prestarem serviços tão diferentes à população. Além disso, será possível comparar a atuação com outros países. Com isso, a má gestão será facilmente evidenciada e os maus gestores serão facilmente identificados.

Como o objetivo de fomentar a melhoria da qualidade da informação e a consistência dos relatórios e demonstrativos contábeis e fiscais que o Tesouro Nacional recebe dos entes federados, por meio do Siconfi, e que são úteis tanto pelo Tesouro Nacional quanto pelos diversos usuários dessa informação (stakeholders), a STN implementou em 2019 o Ranking da Qualidade da Informação Contábil e Fiscal no Siconfi. Vale explicar que o Siconfi é uma ferramenta destinada ao recebimento de informações contábeis, financeiras e de estatísticas fiscais oriundas de um universo que compreende 5.570 municípios brasileiros, 26 estados, o Distrito Federal e a União.

O desempenho geral dos entes no ranking vem aumentando ao longo do tempo, passando de 69,68% em 2019 para 76,72% em 2022. Apesar de não ser um indicador da implementação das Normas Contábeis, conclui-se empiricamente que essa evolução se deve ao resultado do instalado ambiente cultural-contábil de convergência à Normas Internacionais de Contabilidade Públicas Publicada pelo IPSASB, órgão responsável pela emissão das IPSAS, que indiretamente tem fomentado o compromisso com a qualidade da informação contábil, especificamente quanto a sua relevância, compreensibilidade e verificabilidade, demonstrando, assim, uma preocupação cada vez maior com a qualidade das informações contábeis disponibilizadas aos seus diversos usuários.

O Ibracon – Instituto de Auditoria Independente do Brasil mantém um grupo de trabalho específico para tratar dessas questões e orientar os profissionais de auditoria e contabilidade e o mercado, com a participação de integrantes da Secretaria do Tesouro Nacional. Além disso, contribui para a difusão dessas normas aos profissionais, tendo recentemente promovido webinars (Atualizações sobre as normas contábeis aplicadas ao setor público e Atualizações sobre as Normas de Auditoria Financeira do Setor Público) gratuitamente, com o propósito de contribuir para o desenvolvimento de interessados e atuantes no setor público. O conteúdo dos webinars, já disponíveis para acesso no site do Ibracon e na página do instituto no YouTube, destacou a recente atualização do PIPCP e os projetos que estão em andamento no IPSASB e devem em breve ser aprovados e, posteriormente, adaptados e publicados no Brasil: Outros Tipos de Acordos de Arrendamentos, Recursos Naturais e Mensuração – Fase 2: Aplicação do Valor Operacional Corrente e Apresentação das Demonstrações Contábeis.

* Ayres Moura é membro do Grupo de Trabalho Área Pública do Ibracon – Instituto de Auditoria Independente do Brasil