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Artigo: Independência do auditor como elemento fundamental para auditorias de demonstrações financeiras

6 de setembro de 2022

Por Valdir Coscodai *

Na auditoria independente, são muitos os aspectos e características do auditor que são postos sob forte escrutínio e análise, mas um se destaca: a questão da independência. Afinal, auditor independente é aquele que não possui vínculos ou interesses financeiros com a entidade auditada e, dessa forma, sua opinião é mais crível na visão dos usuários da informação.

A questão da independência é tão antiga quanto a própria regulamentação da auditoria. Em 1845, quando houve a promulgação de uma legislação do Reino Unido sobre a contratação de auditor e verificação anual mandatória dos balanços(1) , já havia a preocupação de que o auditor não deveria exercer nenhum cargo na empresa ou nenhum interesse, apesar de que, à época, era exigido uma participação acionária do auditor(2).

Internacionalmente e no Brasil, existem regras e orientações específicas sobre a independência do auditor. As normas referentes ao assunto no Brasil, emitidas pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) são aquelas adotadas a partir do código de ética internacional publicado pelo IESBA – Conselho internacional de elaboração dos padrões éticos para os contadores. Tais requerimentos são de observância obrigatória e requeridos por reguladores, tais como a CVM e o Banco Central(4).

Mas, no que consiste a independência do auditor e qual o seu valor? Uma definição muito utilizada por acadêmicos é o conceito trazido pela Professora Linda DeAngelo em 1981(5), que descreveu que a independência depende da capacidade dos profissionais da auditoria em descobrir erros ou brechas nas demonstrações financeiras da entidade, e resistir à pressão do cliente para não divulgar fatos ou não corrigir desvio de normas e reportar em seu relatório de auditoria.

Pode eventualmente existir uma descrença em torno dessa independência dos trabalhos de auditoria e asseguração; afinal os honorários são pagos pela entidade auditada. Mas existem aspectos racionais para que essa relação funcione: o cliente de auditoria percebe os impactos de uma auditoria de qualidade sobre seus preços e, consequentemente, para seus investidores, além de sinalizar para o mercado suas boas práticas e compromisso com a transparência. As firmas de auditoria também colhem os frutos gerados pela qualidade de seus serviços com uma gama maior de clientes e honorários, aliado à preocupação de que uma auditoria má conduzida pode gerar em sua reputação. A relação entre reputação da firma de auditoria e os retornos da firma auditada foi objeto de estudos empíricos.

Os atuais requisitos de independência evoluíram. As ameaças à independência podem surgir a partir de interesse próprio, de familiaridade, intimidação, defesa dos interesses do cliente e de autor-revisão. Por isso, muitas normas e requerimentos estendem-se até mesmo aos familiares dos profissionais de auditoria. Desde a prestação de serviços não relacionados à auditoria, até a representatividade do cliente nas receitas das firmas e relações familiares entre membros da equipe de auditoria e entidade auditada podem representar sérios problemas à independência dos trabalhos. Mais do que isso, o simples fato de algo não parecer independente é considerado pelos agentes e usuários da informação como substancial para avaliar a qualidade do serviço de auditoria. Por isso, existe não apenas a preocupação com os fatores que atrapalham a independência de fato, mas também aspectos que podem ser considerados como ameaça à independência de pensamento do auditor por sua aparência.

As normas que descrevem situação sobre riscos à independência são extensas e não se restringem apenas àqueles cenários apresentados nas normas, pois as relações humanas e comerciais são complexas e em constante mutação, ainda mais com o advento de novas tecnologias.

É desafiador se manter em uma área cheia de restrições, mas são custos que os profissionais estão dispostos a arcar para manter a credibilidade e, assim, fortalecer todo o mercado financeiro. Afinal, como também disposto no código de ética da profissão contábil, a responsabilidade do auditor independente é agir em prol do interesse público, e não somente na necessidade do cliente ou organização empresarial.

Pela relevância do tema de independência, além de cumprir com os requerimentos formais de independência na auditoria, o auditor deve trabalhar com a convicção de que agirá com a independência de pensamento para realizar seus trabalhos e emitir seu relatório. Afinal, independência é o alicerce dos princípios fundamentais do código de ética: objetividade, integridade e comportamento profissional, além da confidencialidade e competência profissional.

Nos trabalhos de auditoria de demonstrações financeiras o auditor não pode renunciar ao compromisso com a independência e integridade. Representa sua sobrevivência nesse mercado.

(1)https://www.legislation.gov.uk/ukpga/Vict/8-9/20/contents/enacted, section CVII.
(2)https://www.legislation.gov.uk/ukpga/Vict/8-9/16/section/CII/enacted, section CII.
(3)http://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/resolucoes/anexos/001/resol023.pdf, art 22 a 24.
(4)https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/2004/pdf/res_3198_v9_p.pdf, cap 3.
(5)DeAngelo, L. E. (1981). Auditor independence,‘low balling’, and disclosure regulation. Journal of accounting and Economics, 3(2), 113-127.

*Valdir Coscodai é presidente do Ibracon – Instituto de Auditoria Independente do Brasil